quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O machismo da novela Mulheres de Areia

     Navegando pelo blog da Lola, encontrei este texto, escrito por uma de suas leitoras e que também tem um blog, o http://piordonadecasa.blogspot.com.br. Tive a mesma sensação da autora ao rever alguns capítulos da novela Mulheres de Areia: como o machismo podia ser tão explícito? E que bom que nossa sociedade avançou nesse sentido (pouca coisa, mas avançou). Sobre as gêmeas Ruth e Raquel, pergunto: que homem se interessaria pela Ruth? Mil vezes a Raquel! Tá bom, ela não precisava ser tão mau quanto um pica-pau (a gente erra a concordância mas não perde o trocadilho), mas sex appeal é bom e eu gosto. Enfim, a maldade da Raquel era só mais um dos muitos machismos da novela. Fiquem com o ótimo texto:




...a Globo reprisou até março a novela Mulheres de Areia, que foi exibida originalmente em 1993 (o remake; na verdade a novela original é de 1973). Assisti à versão de 93, quando eu tinha 13 anos, e assisti novamente este ano. São 20 anos de diferença entre o remake e a reexibição, e há tanta diferença de comportamento, Lola! Penso que se eu tivesse assistido a versão de 73 poderia escrever uma tese sobre o comportamento socialmente aceito em se tratando de gênero, mas por hora vamos nos ater ao básico.
O resumo da novela: duas filhas de pescadores, gêmeas de personalidades opostas, se envolvem com um mocinho rico, filho de um homem malvado. Agora, vamos às gêmeas: 
- Ruth é a mocinha: boazinha, cordata, gentil, de personalidade fágil, fala baixo, não se impõe, evita bater de frente com quem quer que seja. Não liga para maquiagem e roupas; é professora, e é mais ligada ao pai. Supostamente virgem, até que revela que se entregou a um homem que a enganou prometendo casamento, engravidou e sofreu um aborto espontâneo, que manteve em segredo por medo de envergonhar a família.
- Raquel, a malvada, desbocada, fala o que pensa para quem quer que seja, sarcástica, gosta de beber, de fumar, detesta viver na pobreza, adora roupas e jóias, não aceita que ninguém mande nela; tem um relacionamento com um mau-caráter (sem ser casada e aparentemente sem pretensão de ser); é mais ligada á mãe, que a admira pela coragem e pela vontade de ter uma vida melhor.
Por aí já dá pra perceber o que nós, mulheres, devemos ser não é. Lola? Sempre boazinhas, tom de voz baixo, não lutar pelo que queremos e só transar fora do casamento se prometerem se casar conosco logo, senão envergonhamos a família! E percebe quem está do lado da filha boa? O pai, claro! O patriarca da família, bom, justo, honesto e imparcial. Enquanto a mãe, que apóia a filha do mal, tem clara predileção pela gêmea má e apóia suas atitudes. A mulher não é imparcial, faz escolhas erradas e não é digna de nossa admiração, pois prefere a malvada. Para bom entendedor, meia palavra basta, né? 
Agora vamos a algumas cenas que me lembro:
- Tem o mocinho (um verdadeiro banana), que gosta da Ruth mas se casa com a Raquel (oi?). Aí na lua-de-mel, Raquel bebe e resolve fazer não sei o quê que o mocinho não queria. Aí ele tasca: "Cala a boca, eu sou o seu marido e você tem que me obedecer!" E ela, muito, muito má, como não devemos ser nunca, debocha dele. Puxa, eu que sempre pensei ser tão legal, descobri assim que faço parte do time das víboras. Tsc, tsc. Agora vou me lembrar que tenho que me calar e obedecer meu marido, se quiser ser a gêmea boa.
- Uma outra personagem, a mãe do mocinho banana, já madura e com os filhos criados, resolve se divorciar do marido pra se juntar com um amor antigo (o Alemão). Um dia antes de ir embora, se oferece para ser voluntária num hospital infantil onde sua sobrinha trabalha, ao que a sobrinha responde "mas o Alemão não vai se importar?". Olha. A mulher tem mais de 50 anos, resolve se divorciar, e tem de pedir permissão pro cara que é só um futuro namorado pra trabalhar? Oi?
- A irmã do mocinho, uma rebelde, se casa com um cowboy. Mas ela se casa só pra fugir da família, sem ter nenhum envolvimento com ele. Ele, apaixonado, concorda em manter a fachada do casamento. Mas aí, pra tentar conquistá-la, começa a reclamar de tudo que ela faz, que ela não sabe cozinhar, que não sabe cuidar da casa, e passa a fingir que está apaixonado pela amiga dela. O velho clássico que mulher, pra se apaixonar, tem que ser pisada. Eu faltei à aula nesse dia? Porque eu odiaria um cara que me pisa, e cairia de amores por um homem que tenta me conquistar com gentilezas...
- Sampaio, um personagem secundário, é claramente um mocinho. É casado com Juju, uma mulher fútil, burra, interesseira. Que ele faz questão de mencionar, na frente de todo mundo. A novela toda é ele reclamando dela, falando que é burra (assim, sem cerimônia, na frente das visitas!). Um casamento de pelo menos 20 anos (já que tinham uma filha nessa idade). O cara era um mocinho, Lola, não se esqueça! Um cara do bem, honesto, íntegro. Que chama a mulher de anta. Que diz que ela não tem cérebro. Na frente das filhas e das visitas.
- O pai das gêmeas, o exemplo de homem íntegro, dá uma surra na mulher quando descobre que ela ajudou a filha má em um plano para prejudicar a gêmea boa. Uma surra. E todos aplaudiram, foi um capítulo muito assistido, o povo lavou a alma e ficou muito satisfeito com o corretivo empregado. Lembro muito bem que ninguém condenou o fato, afinal, a mãe mereceu, quem mandou ficar do lado da própria filha?
- E o pior dos piores: o pai da Tônia, que manda ela pra ser estuprada. É, Lola, é isso mesmo. O cara precisava de dinheiro pra pagar um detetive pra encontrar o filho desaparecido, e o malvadão da cidade oferece o dinheiro em troca de jantar com a filha do cara, que ele vivia perseguindo pela cidade. O pai manda a filha ir, sabe? Pra jantar, né Lola, que mal tem? E quando ela chega em casa, destruída, arrasada pelo que tinha acontecido, o pai faz uma cara de "fazer o que?" e deixa a filha chorando. Esse cara era legal, gente boa, um pai bacana, amoroso. Imagina se não fosse, hein?
Enfim, essas são algumas poucas cenas que lembro, mas o machismo é percebido na novela toda, em várias atitudes pequenas, coisas corriqueiras. Acho que o que eu contei serve pra ilustrar o que quero mesmo dizer: as conquistas femininas são tantas! Vejo mulheres jovens desdenhando o feminismo, achando que já conquistamos igualdade e pronto. Pensam que lutamos pelo direito ao voto e que essa foi a conquista maior, trazendo tudo o mais a reboque. 
Não conseguem perceber que há apenas vinte anos nossos maridos nos mandavam calar a boca e isso era aceitável, tanto que era exibido numa novela às 7h da noite; que achávamos engraçado um cara humilhar sua esposa na frente de todos; que um pai que deixava sua filha ser estuprada por um canalha era um bom pai; que todos concordavam que para se conquistar uma mulher era preciso pisar nela; que para fazermos um trabalho tínhamos que perguntar se nosso namorado/marido não se importaria; que o pai é uma referência moral e se bate na mãe é porque ela merece; que mulher boa é aquela que aceitava tudo calada, que não fumava, não bebia, que não envergonhava a família, não tinha voz nem opinião. 
Se uma novela atual mostrasse algo parecido, seria duramente criticada, ficaríamos revoltadas ao assistir. Mas há vinte anos, tudo isso era muito normal. 
E quem foi que ajudou a mudar a nossa mentalidade? À quem devemos agradecer pela evolução do comportamento nesses últimos vinte anos? Ao patriarcado? Acho que não...

Um comentário:

  1. Em parte, em grande parte, por sinal, concordo com você.
    O machismo de "Mulheres de Areia" é explícito, de fato.
    Contudo, para que uma mulher seja feminista, ela não, necessariamente deva ser perversa.
    Sim, a personagem Raquel é uma pessoa sem escrúpulos.
    Uma Ruth, ainda que educada, introvertida, delicada, generosa, pode, sim, ser também uma mulher feminista.
    Acho que você padronizou demais.
    Tentando apontar os personagens machistas da obra, você acabou exagerando em seus argumentos.
    Uma mulher feminista não é, necessariamente, uma mulher agressiva, mal educada.
    Isso é padronizar o feminismo.
    Confesso que já assisti muitas vezes essa versão maravilhosa de 1993, apesar de observar pontos que hoje teriam sido vistos com outro olhar.
    Muito abuso, assédio, e mulheres submissas
    Não podemos negar que, mesmo nos dias atuais, existem zilhões de mulheres, inclusive jovens, extremamente machistas, Infelizmente.
    Eu sempre esqueço muita coisa quando revejo as novelas.
    Não me lembro de Floriano ter batido na mulher.
    Fiquem chocada!
    Nessa reprise de 2023 nem sei se já passou essa cena, se cortaram, ou não.
    Pois é, Kenny, não acho que uma mulher para ser feminista tenha que ser mal caráter.
    Se liga!

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