sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Intimidade é muito mais do que ficar pelado

     Disponível em http://www.casalsemvergonha.com.br/2012/06/05/intimidade-e-muito-mais-do-que-ficar-pelado/.

     INTIMIDADE É MUITO MAIS DO QUE FICAR PELADO


Não é o cinema acompanhado, as noites de sábado com programa garantido, o sexo quando der vontade. Não é ter alguém pra chamar de seu, não são as mensagens de bom dia, muito menos alguém pra quem comprar presente no Dia dos Namorados. Suspeito que o que as pessoas tanto busquem quando dizem que estão procurando um amor é a tão querida intimidade. Aquela coisa de querer dividir vontades, revelar segredos, contar coisas que você não contaria pra qualquer um. Intimidade é abrir a porta para o seu íntimo e deixar que o outro mergulhe nessas águas profundas e, muitas vezes, turvas.

O fato é que não é possível escolher os íntimos – eles simplesmente são.

Tem gente que força intimidade com os outros, como aquela pessoa que twitta o café da manhã diariamente, avisa quando vai tomar banho e – por que não? – posta uma foto de toalha pra a web ver. A intimidade forçada tenta ser aquela mesma, tão natural, que deixa a gente à vontade pra sair do banho de toalha na frente da prima. Mas ela jamais será. Acontece o mesmo com pessoas que se entitulam amigos íntimos de todo mundo mas que, na hora em que bate aquele desespero na madrugada, não têm ninguém para quem ligar. Afinal, só os íntimos ligam na madrugada para desabafar as dores do mundo em meio ao sono alheio.

Há também uma confusão quando o assunto é sexo – muita gente diz que sexo sem amor não é bom quando, na verdade, estavam se referindo à intimidade. Aquela mesmo que surge sem escolher a vítima. E então, reformulamos: sexo sem intimidade não é bom. Fica aquela coisa robótica, regada por uma ansiedade em agradar, por um esforço em encaixar o que não se encaixa. Mesmo com os corpos colados, existe um muro entre os dois que impede a entrega. No desespero de não saber o que fazer diante do artificial, os dois encenam uma cena patética, como o ator de teatro que sobre no palco pela primeira vez e, independente dos seus esforços, não convence ninguém de que está à vontade. Era pra todo mundo se emocionar com a história mas ela foi, na verdade, apenas e somente, uma dramatização.

Intimidade, inclusive, não depende de tempo. Você pode ser casado há 10 anos e não ser íntimo do outro. Agora, quando a intimidade existe, ela não deixa dúvidas. Impossível mascará-la.  Ela chega assim, sem pedir permissão e te faz abrir a vida para aquele estranho que conheceu há menos de duas horas – ele então, passa a saber de coisas que nem aquele colega de anos imagina. Ela faz os lábios se fundirem em um só e faz com que eles dancem em movimentos sincronizados, como o time que treinou há meses. Ela guia as mãos como se possuíssem GPS para a felicidade, solta as palavras como se não existissem tabus, libera o sorriso sincero que dispensa ensaios, torna a companhia mais importante que o programa e vangloria a conversa independente do conteúdo.

Na vida, precisamos mesmo de semelhantes, de cúmplices, de íntimos. Aqueles que te permitem jogar as máscaras, que gostam de você mesmo quando se é autêntica no limite. Aqueles que te fazem entender o real significado se ser escutada, que te explicam na prática que um olhar vale mais que mil palavras e que te lembram qual o verdadeiro sentido da palavra aconchego. Intimidade, inclusive, nos faz repensar no nosso vocabulário – quando se encontra alguém que lhe é íntimo, palavras como penetração, por exemplo, assumem outro significado – porque a sexual, pode-se fazer com quem quiser. Agora, penetrar no seu ser, é exclusividade de poucos.

Sorte daqueles que encontram os seus íntimos nas tantas ruas da vida.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Reflexões sobre política

     No blog na Cynara Menezes está aberta uma enquete assim: o que o governo Dilma precisa fazer para ser de esquerda? Existem várias opções, mas não é isso que quero discutir aqui.

     Tal pergunta reavivou antigas reflexões sobre política. Para ser sucinto, a questão é: quanto a política partidária deve ter de pragmatismo e quanto de idealismo?

     Pensei nisso porque, num primeiro momento, pode parecer estranho dizer que um governo que deu continuidade aos programas sociais, de facilitação de acesso ao ensino superior e que enfrentou os bancos ao impor a queda de juros (por meio dos bancos públicos) etc não é um governo de esquerda. 

     Por outro lado, as opções de resposta que a Cynara dá revelam o quanto o governo poderia fazer em certas áreas e não faz, receoso de desagradar setores poderosos da sociedade. Por que não criminalizar a homofobia? Porque religiosos conservadores são contra. Por que tão poucas desapropriações em 2011 e 2012? Por que não criar o imposto sobre grandes fortunas? Enfim, são perguntas retóricas. Para cada uma, a resposta é que determinado grupo poderoso é contra.

     O pragmatismo do PT é o que explica o sucesso nas últimas três eleições presidenciais. Lembram do Lulinha paz e amor em 2002? Era preciso acalmar o mercado e tornar viável a candidatura petista. E tem sido assim desde então: não radicalizar para não sair do poder.

     Isso está umbilicalmente ligado à questão do financiamento das campanhas eleitorais, que, como sabemos, movimentam milhões e milhões. Nenhum partido pode prescindir desse dinheiro. Não se faz campanha sem dinheiro. E o dinheiro vem daqueles grupos poderosos que teriam convulsões caso se aprovasse o imposto sobre grandes fortunas, por exemplo.

     Sei que seria ingenuidade governar com a mentalidade do "vamos botar pra quebrar, vamos implementar tudo aquilo que julgamos necessário para uma sociedade mais justa". Não duraria um mandato (eu ia dizer que não se reelegeria, mas alguém duvida que um governo de extrema esquerda sofreria um golpe?).

     Tenho colegas petistas que não gostam quando digo o que vou dizer, mas diante de tudo o que eu falei, não tenho dúvidas em afirmar que o PSOL é um partido que me agrada muito mais. Ele lembra, inclusive, o PT de 20 anos atrás. 

     E é aí que entra o dilema: pragmatismo x idealismo. Não há dúvidas de que no PSOL há muito mais idealistas que no PT. Acho lindo! De igual forma, não há dúvidas de que o PSOL dificilmente chegará um dia ao poder, diante da maneira de se fazer política. Para ficar apenas na questão já mencionada: quem financiaria uma campanha de milhões e milhões do PSOL ou qualquer outro partido de esquerda?

     Retifico: pode ser que um dia um partido como o PSOL chegue ao poder. Desde que as coisas mudem. Ou o jeito de se fazer política ou o próprio partido. Se for a segunda opção, nada muda. 

     Por mais idealista que eu seja, não vou ficar aqui criticando o PT por não ser o sonho da esquerda. São as regras do jogo, infelizmente. Aliança com o PMDB, com o Maluf, com o Sarney etc. Dói ver essas coisas. Mas qual a opção que temos? Deixar o PSDB voltar ao Palácio do Planalto? Never forever!

     Vai, Dilma!

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Da relação direta entre ter de limpar seu banheiro você mesmo e poder abrir sem medo um Mac Book no ônibus

     Retirado de http://blog.daniduc.net/2009/09/14/da-relacao-direta-entre-ter-de-limpar-seu-banheiro-voce-mesmo-e-poder-abrir-sem-medo-um-mac-book-no-onibus/

Da relação direta entre ter de limpar seu banheiro você mesmo e poder abrir sem medo um Mac Book no ônibus

A sociedade holandesa tem dois pilares muito claros: liberdade de expressão e igualdade. Claro, quando a teoria entra em prática, vários problemas acontecem, e há censura, e há desigualdade, em alguma medida, mas esses ideais servem como norte na bússola social holandesa.
Um porteiro aqui na Holanda não se acha inferior a um gerente. Um instalador de cortinas tem tanto valor quanto um professor doutor. Todos trabalham, levam suas vidas, e uma profissão é tão digna quanto outra. Fora do expediente, nada impede de sentarem-se todos no mesmo bar e tomarem suas Heinekens juntos. Ninguém olha pra baixo e ninguém olha por cima. A profissão não define o valor da pessoa – trabalho honesto e duro é trabalho honesto e duro, seja cavando fossas na rua, seja digitando numa planilha em um escritório com ar condicionado. Um precisa do outro e todos dependem de todos. Claro que profissões mais especializadas pagam mais. A questão não é essa. A questão é “você ganhar mais porque tem uma profissão especializada não te torna melhor que ninguém”.
Profissões especializadas pagam mais, mas não muito mais. Igualdade social significa menor distância social: todos se encontram no meio. Não há muito baixo, mas também não há muito alto. Um lixeiro não ganha muito menos do que um analista de sistemas. O salário mínimo é de 1300 euros/mês. Um bom salário de profissão especializada, é uns 3500, 4000 euros/mês. E ganhar mais do que alguém não torna o alguém teu subalterno: o porteiro não toma ordens de você só porque você é gerente de RH. Aliás, ordens são muito mal vistas. Chegar dando ordens abreviará seu comando. Todos ali estão em um time, do qual você faz parte tanto quanto os outros (mesmo que seu trabalho dentro do time seja de tomar decisões).
Esses conceitos são basicamente inversos aos conceitos da sociedade brasileira, fundada na profunda desigualdade. Entre brasileiros que aqui vêm para trabalhar e morar é comum – há exceções -  estranharem serem olhados no nível dos olhos por todos – chefe não te olha de cima, o garçom não te olha de baixo. Quando dão ordens ou ignoram socialmente quem tem profissão menos especializadas do que a sua, ficam confusos ao encontrar de volta hostilidade em vez de subserviência. Ficam ainda mais confusos quando o chefe não dá ordens – o que fazer, agora?
Os salários pagos para profissão especializada no Brasil conseguem tranquilamente contratar ao menos uma faxineira diarista, quando não uma empregada full time. Os salários pagos à mesma profissão aqui não são suficientes pra esse luxo, e é preciso limpar o banheiro sem ajuda – e mesmo que pague (bem mais do que pagaria no Brasil a) um ajudante, ele não ficará o dia todo a te seguir limpando cada poerinha sua, servindo cafézinho. Eles vêm, dão uma ajeitada e vão-se a cuidar de suas vidas fora do trabalho, tanto quanto você. De repente, a ficha do que realmente significa igualdade cai: todos se encontram no meio, e pra quem estava no Brasil na parte de cima, encontrar-se no meio quer dizer descer de um pedestal que julgavam direito inquestionável (seja porque “estudaram mais” ou “meu pai trabalhou duro e saiu do nada” ou qualquer outra justificativa pra desigualdade).
Porém, a igualdade social holandesa tem um outro efeito que é muito atraente pra quem vem da sociedade profundamente desigual do Brasil: a relativa segurança. É inquestionável que a sociedade holandesa é menos violenta do que a brasileira. Claro que aqui há violência – pessoas são assassinadas, há roubos. Estou fazendo uma comparação, e menos violenta não quer dizer “não violenta”.
O curioso é que aqueles brasileiros que queixam-se amargamente de limpar o próprio banheiro, elogiam incansavelmente a possibilidade de andar à noite sem medo pelas ruas, sem enxergar a relação entre as duas coisas. Violência social não é fruto de pobreza. Violência social é fruto de desigualdade social. A sociedade holandesa é relativamente pacífica não porque é rica, não porque é “primeiro mundo”, não porque os holandeses tenham alguma superioridade moral, cultural ou genética sobre os brasileiros, mas porque a sociedade deles tem pouca desigualdade. Há uma relação direta entre a classe média holandesa limpar seu próprio banheiro e poder abrir um Mac Book de 1400 euros no ônibus sem medo.
Eu, pessoalmente, acho excelente os dois efeitos. Primeiro porque acredito firmemente que a profissão de alguém não têm qualquer relação com o valor pessoal. O fato de ter “estudado mais”, ter doutorado, ou gerenciar uma equipe não te torna pessoalmente melhor que ninguém, sinto muito. Não enxergo a superioridade moral de um trabalho honesto sobre outro, não importa qual seja. Por trabalho honesto não quero dizer “dentro da lei” -  não considero honesto matar, roubar, espalhar veneno, explorar ingenuidade alheia, espalhar ódio e mentira, não me importa se seja legalizado ou não. O quanto você estudou pode te dar direito a um salário maior – mas não te torna superior a quem não tenha estudado (por opção, ou por falta dela). Quem seu paí é ou foi não quer dizer nada sobre quem você é. E nada, meu amigo, nada te dá o direito de ser cuzão. Um doutor que é arrogante e desonesto tem menos valor do que qualquer garçom que trata direito as pessoas e não trapaceia ninguém. Profissão não tem relação com valor pessoal.
Não gosto mais do que qualquer um de limpar banheiro. Ninguém gosta – nem as faxineiras no Brasil, obviamente. Também não gosto de ir ao médico fazer exames. Mas é parte da vida, e um preço que pago pela saúde. Limpar o banheiro é um preço a pagar pela saúde social. E um preço que acho bastante barato, na verdade.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O machismo da novela Mulheres de Areia

     Navegando pelo blog da Lola, encontrei este texto, escrito por uma de suas leitoras e que também tem um blog, o http://piordonadecasa.blogspot.com.br. Tive a mesma sensação da autora ao rever alguns capítulos da novela Mulheres de Areia: como o machismo podia ser tão explícito? E que bom que nossa sociedade avançou nesse sentido (pouca coisa, mas avançou). Sobre as gêmeas Ruth e Raquel, pergunto: que homem se interessaria pela Ruth? Mil vezes a Raquel! Tá bom, ela não precisava ser tão mau quanto um pica-pau (a gente erra a concordância mas não perde o trocadilho), mas sex appeal é bom e eu gosto. Enfim, a maldade da Raquel era só mais um dos muitos machismos da novela. Fiquem com o ótimo texto:




...a Globo reprisou até março a novela Mulheres de Areia, que foi exibida originalmente em 1993 (o remake; na verdade a novela original é de 1973). Assisti à versão de 93, quando eu tinha 13 anos, e assisti novamente este ano. São 20 anos de diferença entre o remake e a reexibição, e há tanta diferença de comportamento, Lola! Penso que se eu tivesse assistido a versão de 73 poderia escrever uma tese sobre o comportamento socialmente aceito em se tratando de gênero, mas por hora vamos nos ater ao básico.
O resumo da novela: duas filhas de pescadores, gêmeas de personalidades opostas, se envolvem com um mocinho rico, filho de um homem malvado. Agora, vamos às gêmeas: 
- Ruth é a mocinha: boazinha, cordata, gentil, de personalidade fágil, fala baixo, não se impõe, evita bater de frente com quem quer que seja. Não liga para maquiagem e roupas; é professora, e é mais ligada ao pai. Supostamente virgem, até que revela que se entregou a um homem que a enganou prometendo casamento, engravidou e sofreu um aborto espontâneo, que manteve em segredo por medo de envergonhar a família.
- Raquel, a malvada, desbocada, fala o que pensa para quem quer que seja, sarcástica, gosta de beber, de fumar, detesta viver na pobreza, adora roupas e jóias, não aceita que ninguém mande nela; tem um relacionamento com um mau-caráter (sem ser casada e aparentemente sem pretensão de ser); é mais ligada á mãe, que a admira pela coragem e pela vontade de ter uma vida melhor.
Por aí já dá pra perceber o que nós, mulheres, devemos ser não é. Lola? Sempre boazinhas, tom de voz baixo, não lutar pelo que queremos e só transar fora do casamento se prometerem se casar conosco logo, senão envergonhamos a família! E percebe quem está do lado da filha boa? O pai, claro! O patriarca da família, bom, justo, honesto e imparcial. Enquanto a mãe, que apóia a filha do mal, tem clara predileção pela gêmea má e apóia suas atitudes. A mulher não é imparcial, faz escolhas erradas e não é digna de nossa admiração, pois prefere a malvada. Para bom entendedor, meia palavra basta, né? 
Agora vamos a algumas cenas que me lembro:
- Tem o mocinho (um verdadeiro banana), que gosta da Ruth mas se casa com a Raquel (oi?). Aí na lua-de-mel, Raquel bebe e resolve fazer não sei o quê que o mocinho não queria. Aí ele tasca: "Cala a boca, eu sou o seu marido e você tem que me obedecer!" E ela, muito, muito má, como não devemos ser nunca, debocha dele. Puxa, eu que sempre pensei ser tão legal, descobri assim que faço parte do time das víboras. Tsc, tsc. Agora vou me lembrar que tenho que me calar e obedecer meu marido, se quiser ser a gêmea boa.
- Uma outra personagem, a mãe do mocinho banana, já madura e com os filhos criados, resolve se divorciar do marido pra se juntar com um amor antigo (o Alemão). Um dia antes de ir embora, se oferece para ser voluntária num hospital infantil onde sua sobrinha trabalha, ao que a sobrinha responde "mas o Alemão não vai se importar?". Olha. A mulher tem mais de 50 anos, resolve se divorciar, e tem de pedir permissão pro cara que é só um futuro namorado pra trabalhar? Oi?
- A irmã do mocinho, uma rebelde, se casa com um cowboy. Mas ela se casa só pra fugir da família, sem ter nenhum envolvimento com ele. Ele, apaixonado, concorda em manter a fachada do casamento. Mas aí, pra tentar conquistá-la, começa a reclamar de tudo que ela faz, que ela não sabe cozinhar, que não sabe cuidar da casa, e passa a fingir que está apaixonado pela amiga dela. O velho clássico que mulher, pra se apaixonar, tem que ser pisada. Eu faltei à aula nesse dia? Porque eu odiaria um cara que me pisa, e cairia de amores por um homem que tenta me conquistar com gentilezas...
- Sampaio, um personagem secundário, é claramente um mocinho. É casado com Juju, uma mulher fútil, burra, interesseira. Que ele faz questão de mencionar, na frente de todo mundo. A novela toda é ele reclamando dela, falando que é burra (assim, sem cerimônia, na frente das visitas!). Um casamento de pelo menos 20 anos (já que tinham uma filha nessa idade). O cara era um mocinho, Lola, não se esqueça! Um cara do bem, honesto, íntegro. Que chama a mulher de anta. Que diz que ela não tem cérebro. Na frente das filhas e das visitas.
- O pai das gêmeas, o exemplo de homem íntegro, dá uma surra na mulher quando descobre que ela ajudou a filha má em um plano para prejudicar a gêmea boa. Uma surra. E todos aplaudiram, foi um capítulo muito assistido, o povo lavou a alma e ficou muito satisfeito com o corretivo empregado. Lembro muito bem que ninguém condenou o fato, afinal, a mãe mereceu, quem mandou ficar do lado da própria filha?
- E o pior dos piores: o pai da Tônia, que manda ela pra ser estuprada. É, Lola, é isso mesmo. O cara precisava de dinheiro pra pagar um detetive pra encontrar o filho desaparecido, e o malvadão da cidade oferece o dinheiro em troca de jantar com a filha do cara, que ele vivia perseguindo pela cidade. O pai manda a filha ir, sabe? Pra jantar, né Lola, que mal tem? E quando ela chega em casa, destruída, arrasada pelo que tinha acontecido, o pai faz uma cara de "fazer o que?" e deixa a filha chorando. Esse cara era legal, gente boa, um pai bacana, amoroso. Imagina se não fosse, hein?
Enfim, essas são algumas poucas cenas que lembro, mas o machismo é percebido na novela toda, em várias atitudes pequenas, coisas corriqueiras. Acho que o que eu contei serve pra ilustrar o que quero mesmo dizer: as conquistas femininas são tantas! Vejo mulheres jovens desdenhando o feminismo, achando que já conquistamos igualdade e pronto. Pensam que lutamos pelo direito ao voto e que essa foi a conquista maior, trazendo tudo o mais a reboque. 
Não conseguem perceber que há apenas vinte anos nossos maridos nos mandavam calar a boca e isso era aceitável, tanto que era exibido numa novela às 7h da noite; que achávamos engraçado um cara humilhar sua esposa na frente de todos; que um pai que deixava sua filha ser estuprada por um canalha era um bom pai; que todos concordavam que para se conquistar uma mulher era preciso pisar nela; que para fazermos um trabalho tínhamos que perguntar se nosso namorado/marido não se importaria; que o pai é uma referência moral e se bate na mãe é porque ela merece; que mulher boa é aquela que aceitava tudo calada, que não fumava, não bebia, que não envergonhava a família, não tinha voz nem opinião. 
Se uma novela atual mostrasse algo parecido, seria duramente criticada, ficaríamos revoltadas ao assistir. Mas há vinte anos, tudo isso era muito normal. 
E quem foi que ajudou a mudar a nossa mentalidade? À quem devemos agradecer pela evolução do comportamento nesses últimos vinte anos? Ao patriarcado? Acho que não...