domingo, 16 de junho de 2013

Porquê virei à esquerda - I

         Atualmente tá na moda antigos militantes de esquerda, pessoas que lutaram contra a ditadura, narrarem suas experiências de conversão à direita. Eles adoram dizer o quanto eram ingênuos e o quanto amadureceram. Se você não souber do que eu tô falando e tiver estômago, leia as colunas do Arnaldo Jabor. Por isso, neste texto vou fazer o inverso, vou contar como virei à esquerda.

          Nem sempre fui de esquerda, caros e caras. Nem sempre fui feminista. A única coisa que eu sempre fui, desde que me dou por gente, é desconfiado das religiões. Mas também nem sempre fui ateu, demorei a me aceitar como tal. Enfim, hoje estou aqui para falar do meu passado negro.

       Posso falar com propriedade sobre o que é ser manipulado pela grande mídia, porque eu fui, durante muito tempo. Na minha adolescência eu lia o Estadão e via o Jornal Nacional todo dia, lia a Veja sempre que podia. Aí vocês podem imaginar quais eram minhas ideias sobre política. Naquela época, eu não entendia que esses veículos de comunicação expressavam apenas um ponto de vista (conservador), isto é, que eles não eram isentos. Eu achava que eles se resumiam a relatar os fatos.

        Curiosamente, quando eu lia a coluna do Arnaldo Jabor, suas opiniões se encaixavam perfeitamente com a reportagem "isenta" que eu acabara de ler. À noite, eu ligava o Jornal Nacional e lá também as notícias isentas casavam com o ponto de vista do colunista. Por fim, no fim de semana eu lia a Veja, cheia de reportagens "imparciais" e, como cereja no bolo, tinha a coluna do Diogo Mainardi.

          Percebem? Eu via a mesma notícia em três meios diferentes, um repetindo o que o outro dizia, e concluía: só pode ser verdade. 

          Naquela época a internet já existia, mas não era nem sombra do que é hoje. Eu morava numa cidade pequena do interior, onde o avanço da internet demorou um pouco mais para chegar. O orkut estava no início, twitter e facebook não existiam, os blogs que eu acompanho hoje também não. Em resumo: era quase impossível escapar da grande mídia.


          Quase. Na época, eu tinha um amigo que destoava de tudo o que eu ouvia por aí. Ele é de esquerda, petista roxo, vivia no ABC na época das greves históricas do movimento operário liderado pelo Lula. Conversámos muito sobre política. Divergíamos em tudo, obviamente. Mas, ao contrário do que o senso comum prega, que política não se discute, nossas conversas eram civilizadas, regadas a muitas ironias de parte a parte. Acho que ele olhava pra mim e pensava: "pobre jovem que sofreu lavagem cerebral". Eu olhava pra ele e pensava: "bem que o Jabor fala que esse pessoal de esquerda é tudo fanático e cego".

Porquê virei à esquerda - II


          O tempo passou e eu sofri calado, fui embora da minha cidade, fui fazer faculdade em outro estado. Em termos de pensamento político, lá eu me senti em casa. Morava numa cidade muito conservadora (pra vocês terem ideia, lá, em 2010, o Serra teve 70% dos votos no 2º turno). Fazia o curso mais conservador da universidade, Direito. Estava tudo encaminhado para eu me tornar um reaça convicto.

          Mas a vida tem dessas ironias. Foi justamente num meio assim que eu enxerguei a luz.

          Preciso abrir um parênteses. Hoje eu vejo que, na minha essência, eu sempre fui de esquerda. Em 2002, época em que eu não lia jornal, eu fiz campanha pro Lula. Sempre me incomodou o fato de que o dono de uma empresa ganha mil vezes mais que seus funcionários (devo estar chutando baixo ainda). Nunca achei normal a exploração do homem pelo homem. Nos costumes, sempre fui liberal. Nunca concordei com o fato de que um cara que transa com várias mulheres é o fodão e a mulher que faz o mesmo é a vadia. Nunca tive como meta de vida ser rico, nunca achei que dinheiro traz felicidade.

          Meu alinhamento com o discurso de direita da grande mídia se dava no campo da economia e da moralidade pública. Se todos eles diziam que o PT queria amordaçar a imprensa, eu acreditava e repetia. Se todos eles diziam que o governo do PT era o mais corrupto da história, eu acreditava e repetia. Se todos eles diziam que a inflação estava descontrolada, eu acreditava e repetia.

          Em suma, o que eu quero mostrar com esse parênteses é que eu nunca fui um direitista/conservador modelo. Lá no fundo do meu ser, soterrado por esses discursos, eu tinha ideias que são de esquerda. Fecha parênteses.

          Tudo começou quando eu fui fazer estágio num escritório de advocacia que trabalhava majoritariamente com direito do consumidor. Era um ramo do Direito novo para mim, então eu precisei estudar. E estudando direito do consumidor, vários dogmas do liberalismo econômico, que já estavam enraizados em mim, foram ruindo. Ideias como a de que o Estado não deve intervir na economia, de que o mercado se autorregula etc. Ali acendeu uma luz vermelha.

          Mais ou menos na mesma época, eu descobri o blog da Lola (tem o link ali no canto direito). Mudou a minha vida. Lá eu descobri o que era o feminismo. Não tinha nada a ver com a visão deturpada que o senso comum e os conservadores querem nos passar. Lá também foi a primeira vez que eu li pontos de vista diferentes dos que eu estava acostumado sobre política.

          Por fim, veio a cereja no bolo. Eu fui mandado embora. Neste escritório, o chefe fazia questão de frizar que éramos uma família, que no que a gente precisasse poderia contar com ele. Com minha demissão eu percebi que não existia família porra nenhuma, que eu era apenas uma peça numa engrenagem, peça que poderia ser substituída a qualquer momento por qualquer motivo. Aliás, a convivência diária com TODOS os chefes que eu tive foi importantíssima. Todos eram ricos. Um já tinha nascido rico, os demais eram pobres, mas, com muito esforço (e como eles adoravam contar suas histórias de superação), também se tornaram ricos. Era foda ver a visão esnobe que eles tinham sobre muitas coisas. Todos odiavam o Lula.

          Um pouco antes disso, eu já havia percebido o quanto os escritórios de advocacia exploravam os estagiários e os recém-formados. Você faz o trabalho todo, dá o sangue, e no fim quem leva o dinheiro são os sócios do escritório. Isso me indignava, mesmo eu não tendo lido Marx e não sabendo o que era mais-valia (até hoje não li e não sei rs). O mais trágico dessa história é que tem gente que diz: ah, o mundo é assim mesmo, se você se esforçar bastante, um dia vai ser você que vai ter o escritório e vai poder explorar os estagiários.

          Para terminar, quero esclarecer que não acho que quem é de direita/conservador é um alienado como eu fui. Existem casos e casos. Há quem seja direitista convicto, que encarna todos os valores. Eles sabem que existe uma mídia alternativa, mas não querem saber dela. Esses eu respeito. Mas também existem os que vivem numa situação parecida com a minha, que até hoje não descobriram como a grande mídia é tendenciosa. Desses eu tenho pena.

          O que mais chateia nessa história toda é ver que o governo do PT, o que mais sofre com essa oposição da mídia, nunca teve interesse em fazer o projeto do marco regulatório andar. Por essas e por tantas outras estou convicto: ano que vem a Dilma não vai ter o meu voto no 1º turno. E no 2º vou votar nela com o coração apertado.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Meu amigo virou à direita - II

Tô aqui quebrando a cabeça pra tentar entender porque a direita tá com essa paranoia de que todo mundo é de esquerda. Seria má fé ou eles vivem num universo paralelo? Eu apostaria na primeira opção. Me parece que os conservadores estão querendo ganhar adeptos na intimidação. “Olha, é o seguinte, vivemos tempos difíceis, a esquerda dominou geral. Quem discorda deles é massacrado. Precisamos reagir, lembrem que nosso ídolo Nelson Rodrigues dizia que toda unanimidade é burra. Se você ama seu país, vire à direita, precisamos combater o pensamento único que assola nossa pátria”. E tome aquele discurso que eu ouço há dez anos de que o PT vai instaurar uma ditadura no país, que o fascismo é logo ali, que em breve opositores do regime serão executados em praça pública. Essa semana, vendo um vídeo em que o Demétrio Magnoli discursa contra as cotas raciais, eu fiquei com a sensação de que dentro de 20 anos brancos e negros entrarão em guerra civil. Sim, ele sustenta que no Brasil não há racismo e que as cotas vão criá-lo.

O que ocorre é que o pessoal de esquerda tende a ser ativista, o que não ocorre com quem é de direita. Porque eles acham que manifestante é vagabundo, que defender suas idéias com veemência é armar barraco etc. Logo, se alguém diz “adoro piadas de preto”, os ativistas de esquerda caem matando mesmo. Por outro lado, se alguém diz “sou a favor da legalização do aborto”, os conservadores se contorcem por dentro, pensam “onde esse mundo vai parar? E os valores da família?”, mas, em regra, não partem para o confronto. Aí fica essa sensação de que todo mundo é de esquerda.

Precisa ter má fé (ou viver num mundo paralelo) para discordar de que vivemos numa sociedade machista, homofóbica e racista, para ficarmos apenas em três questões. Isto é, o pensamento conservador domina. Os “politicamente incorretos” (que, de incorretos, não têm nada, é a coisa mais fácil do mundo contar piada de negro num país racista) morrem de saudade dos tempos em que podiam destilar seus preconceitos à vontade e ninguém chiava, dos tempos em que as minorias se colocavam em seus lugares, que não tinham voz para protestar. Como atualmente muita gente se conscientizou de que não é muito engraçado fazer “piadas” com a desgraça alheia, os conservadores ficaram desesperados. E aí tome-lhe discurso terrorista, de que o politicamente correto é uma ditadura, que é fascismo e blá-blá-blá. Eu fico pensando: quando um "politicamente incorreto" descolado fala uma merda, é liberdade de expressão. Quando um "politicamente correto" chato faz críticas a ele, é ditadura. Curioso. 

Sabe por que é difícil achar quem se assuma de direita? Porque as bandeiras que eles defendem não são defensáveis. Não entre pessoas com um mínimo de bom senso. Aí, para defender o indefensável, eles se saem com as teses mais estapafúrdias: chamar um negro de macaco é liberdade de expressão e proibi-lo é voltar à ditadura; não existe racismo no Brasil; na ditadura não tinha corrupção, a ditadura foi um mal necessário diante da ameaça comunista, no Brasil tivemos uma ditabranda etc. E, somado a isso, o terrorismo: o país não cresce, a inflação vai voltar, a liberdade de expressão acabou etc.

Seria mais produtivo se muitos direitistas (não todos) dissessem o que vai no íntimo de seus corações: eu quero ter o direito de dizer que gays são promíscuos por natureza, que a AIDS é a punição por eles não seguirem os ditames do livro sagrado, não porque eu sou um defensor da liberdade de expressão, e sim porque eu os acho imorais; eu sou contra cotas nas universidades porque eu acho que cada um tem que saber seu lugar na sociedade, porque não é justo eu ter pagado escola particular a vida inteira pro meu filhinho e vir agora alguém roubar a vaga dele, não é porque não exista racismo no Brasil. Em suma: sou contra todas as reivindicações de todas as minorias porque eu quero que a sociedade continue do jeito que está (ou nem isso, já que eles acham que o mundo tá perdido). O mais irritante no pessoal de direita é que eles não se assumem. Querem sempre florear suas ideias, usam termos difíceis, raciocínios rebuscados (vide o Pondé, ídolo do meu amigo. Se você não tiver consciência de que ele é um conservador, você engole sem pensar tudo o que ele diz. O cara cita Aristóteles, Platão, Rousseau... Você pensa: esse cara é muito mais culto que eu, ele sabe do que tá falando, logo, deve estar certo em tudo o que diz) para tentar esconder que são conservadores. 

Por isso digo ao meu amigo: se você quer ser de direita, problema seu (rs). Mas, por favor, não venha me dizer que está adotando essa filosofia de vida só para ser rebelde, já que todo mundo no Brasil é de esquerda. Rebeldia continua sendo a marca de nós, vermelhinhos. Não à toa, somos chamados de ingênuos. “Quando eu tinha sua idade também queria mudar o mundo. Mas amadureci e vi a vida como ela é”. O triste da história é que o meu amigo pensa que está sendo rebelde, quando, na verdade, está seguindo o curso natural da vida. De esquerda na juventude, conservador na maturidade. Se eu fosse religioso, rezaria para nunca amadurecer.

Meu amigo virou à direita - I

        Vou falar de um amigo que reencontrei esses dias num churrasco.Estávamos lá tomando umas, conversando sobre amenidades, quando ele resolveu falar de política. E eu me surpreendi com as coisas que ele começou a dizer. De início, ressalto que ele é um cara que votou no PT em 2002, 2006 e 2010. “Mas não vou repetir esse erro em 2014”. Ou seja, ele é um esquerdista que se converteu/está se convertendo à direita.

          A justificativa? “Em nome da democracia”. Pra ele, no Brasil temos um pensamento único, unanimidade sobre temas polêmicos. O pensamento de esquerda domina. Quem ousa defender um ponto de vista conservador é linchado. Portanto, ele resolveu virar à direita em nome da pluralidade de idéias, se rebelou contra aquilo que ele acha que todo mundo pensa. 

          Fiquei intrigado com tal afirmação. Comecei a refletir e concluí que um bom teste para ver qual a ideologia dominante no seio da sociedade, ainda que as pessoas nem saibam que por trás de suas opiniões há uma ideologia, seria ver o que o senso comum diz sobre algumas questões:

1-Funcionário público é visto como o cara fodão que passou num concurso ou como um encostado que só quer “mamar nas tetas do governo?”

2-Feminismo prega igualdade entre homens e mulheres ou é o machismo ao contrário? Feminismo é coisa de quem quer uma sociedade mais justa ou é coisa de mulher mal comida e que não tem mais o que fazer?

3-Aborto é visto como questão de saúde pública ou como assassinato de pessoas indefesas e que merece punição?

4-Casamento gay é visto como um direito que deveria ser estendido aos homossexuais ou é uma abominação que vai contra a natureza humana?

5-O serviço público,em geral, é visto como algo prestado satisfatória ou insatisfatoriamente? Caso a resposta seja a primeira opção, a iniciativa privada é melhor ou pior que o serviço público?

6-Direitos humanos devem ser respeitados em qualquer hipótese ou só para humanos direitos?

7-Quem fuma maconha socialmente é visto da mesma forma que quem ingere álcool socialmente ou é visto como maconheiro, vagabundo, drogado?

Frise-se: não estou perguntando qual a sua opinião sobre os temas elencados. O que eu quero saber é como você acha que o cidadão médio responderia a essas perguntas. Eu não tenho nenhuma dúvida de que o senso comum é de direita.

Suponhamos que meu amigo concorde com o que acabei de dizer. Ele dirá: “tudo bem, pode até ser que o senso comum seja de direita, mas nas universidades o pensamento de esquerda dominou geral”.

Discordo novamente. O que existe são cursos tradicionalmente progressistas e cursos tradicionalmente conservadores. Eu, que sou advogado, posso afirmar tranquilamente que 90% dos acadêmicos e professores do curso de Direito tem perfil conservador. O Direito é, em essência, conservador. Marx dizia que o Direito foi criado para garantir o direito de propriedade. Pra vocês terem ideia, até a década de 80 (ontem, portanto) muitos juízes inocentavam réus que haviam matado suas esposas adúlteras, sob o argumento de que os maridos tinham agido em "legítima defesa da honra". Muitos juristas sustentavam a tese de que era impossível um marido estuprar a esposa. Mesmo que houvesse o sexo à força, com violência, eles diziam que era impossível se configurar o crime de estupro, já que a mulher, quando casava, dava o consentimento para o homem "fazer sexo" com ela. Eu poderia dar outros exemplos ainda, mas creio que deu pra sentir o drama.

No curso de Administração de Empresas ocorre o mesmo. No de Economia, idem. Não ignoro que cursos como História e Jornalismo sejam predominantemente de esquerda. Mas, por tudo o que eu disse, fica claro que essa unanimidade ou dominação da esquerda, propalada pelo meu amigo, não existe.

Suponhamos que ele também dê o braço a torcer nesse ponto. Mas ele vai sacar o “o PT está no poder há 10 anos”.

É óbvio que o PT está no poder há um tempão e, no meu sentir, vai continuar mais um bom tempo. O motivo é simples: a vida do povo melhorou nesse período. “É a economia, estúpido”. Não tem nada a ver com uma ideologia de esquerda dominante. Isso para não entrarmos na longa discussão se o governo do PT é, de fato, de esquerda. Pra mim, não é. Um governo de esquerda enfrentaria os fundamentalistas religiosos, postura que refletiria em temas importantíssimos para a nação, tais como aborto, casamento civil igualitário, descriminalização da maconha. Um governo de esquerda procuraria taxar as grandes fortunas. E tantas outras coisas. E não me venham com o célebre “esses são assuntos para o Legislativo”, porque na hora de tentar aprovar a Medida Provisória dos Portos, o governo não mediu esforços.

Eu ainda poderia falar da grande mídia (“mas a Carta Capital é tão tendenciosa quanto a Veja”). Suponhamos que eu concorde com você. Pergunto: quantas pessoas leem Carta Capital e quantas leem Veja? Isso faz uma enorme diferença. A começar pelo espaço que a grande mídia concede aos seus formadores de opinião, tais como Reinaldo Azevedo, Arnaldo Jabor, Merval Pereira, Pondé e tantos outros conservadores. Além disso, Carta Capital nunca teve esquema com Carlinhos Cachoeira.