sexta-feira, 7 de junho de 2013

Meu amigo virou à direita - I

        Vou falar de um amigo que reencontrei esses dias num churrasco.Estávamos lá tomando umas, conversando sobre amenidades, quando ele resolveu falar de política. E eu me surpreendi com as coisas que ele começou a dizer. De início, ressalto que ele é um cara que votou no PT em 2002, 2006 e 2010. “Mas não vou repetir esse erro em 2014”. Ou seja, ele é um esquerdista que se converteu/está se convertendo à direita.

          A justificativa? “Em nome da democracia”. Pra ele, no Brasil temos um pensamento único, unanimidade sobre temas polêmicos. O pensamento de esquerda domina. Quem ousa defender um ponto de vista conservador é linchado. Portanto, ele resolveu virar à direita em nome da pluralidade de idéias, se rebelou contra aquilo que ele acha que todo mundo pensa. 

          Fiquei intrigado com tal afirmação. Comecei a refletir e concluí que um bom teste para ver qual a ideologia dominante no seio da sociedade, ainda que as pessoas nem saibam que por trás de suas opiniões há uma ideologia, seria ver o que o senso comum diz sobre algumas questões:

1-Funcionário público é visto como o cara fodão que passou num concurso ou como um encostado que só quer “mamar nas tetas do governo?”

2-Feminismo prega igualdade entre homens e mulheres ou é o machismo ao contrário? Feminismo é coisa de quem quer uma sociedade mais justa ou é coisa de mulher mal comida e que não tem mais o que fazer?

3-Aborto é visto como questão de saúde pública ou como assassinato de pessoas indefesas e que merece punição?

4-Casamento gay é visto como um direito que deveria ser estendido aos homossexuais ou é uma abominação que vai contra a natureza humana?

5-O serviço público,em geral, é visto como algo prestado satisfatória ou insatisfatoriamente? Caso a resposta seja a primeira opção, a iniciativa privada é melhor ou pior que o serviço público?

6-Direitos humanos devem ser respeitados em qualquer hipótese ou só para humanos direitos?

7-Quem fuma maconha socialmente é visto da mesma forma que quem ingere álcool socialmente ou é visto como maconheiro, vagabundo, drogado?

Frise-se: não estou perguntando qual a sua opinião sobre os temas elencados. O que eu quero saber é como você acha que o cidadão médio responderia a essas perguntas. Eu não tenho nenhuma dúvida de que o senso comum é de direita.

Suponhamos que meu amigo concorde com o que acabei de dizer. Ele dirá: “tudo bem, pode até ser que o senso comum seja de direita, mas nas universidades o pensamento de esquerda dominou geral”.

Discordo novamente. O que existe são cursos tradicionalmente progressistas e cursos tradicionalmente conservadores. Eu, que sou advogado, posso afirmar tranquilamente que 90% dos acadêmicos e professores do curso de Direito tem perfil conservador. O Direito é, em essência, conservador. Marx dizia que o Direito foi criado para garantir o direito de propriedade. Pra vocês terem ideia, até a década de 80 (ontem, portanto) muitos juízes inocentavam réus que haviam matado suas esposas adúlteras, sob o argumento de que os maridos tinham agido em "legítima defesa da honra". Muitos juristas sustentavam a tese de que era impossível um marido estuprar a esposa. Mesmo que houvesse o sexo à força, com violência, eles diziam que era impossível se configurar o crime de estupro, já que a mulher, quando casava, dava o consentimento para o homem "fazer sexo" com ela. Eu poderia dar outros exemplos ainda, mas creio que deu pra sentir o drama.

No curso de Administração de Empresas ocorre o mesmo. No de Economia, idem. Não ignoro que cursos como História e Jornalismo sejam predominantemente de esquerda. Mas, por tudo o que eu disse, fica claro que essa unanimidade ou dominação da esquerda, propalada pelo meu amigo, não existe.

Suponhamos que ele também dê o braço a torcer nesse ponto. Mas ele vai sacar o “o PT está no poder há 10 anos”.

É óbvio que o PT está no poder há um tempão e, no meu sentir, vai continuar mais um bom tempo. O motivo é simples: a vida do povo melhorou nesse período. “É a economia, estúpido”. Não tem nada a ver com uma ideologia de esquerda dominante. Isso para não entrarmos na longa discussão se o governo do PT é, de fato, de esquerda. Pra mim, não é. Um governo de esquerda enfrentaria os fundamentalistas religiosos, postura que refletiria em temas importantíssimos para a nação, tais como aborto, casamento civil igualitário, descriminalização da maconha. Um governo de esquerda procuraria taxar as grandes fortunas. E tantas outras coisas. E não me venham com o célebre “esses são assuntos para o Legislativo”, porque na hora de tentar aprovar a Medida Provisória dos Portos, o governo não mediu esforços.

Eu ainda poderia falar da grande mídia (“mas a Carta Capital é tão tendenciosa quanto a Veja”). Suponhamos que eu concorde com você. Pergunto: quantas pessoas leem Carta Capital e quantas leem Veja? Isso faz uma enorme diferença. A começar pelo espaço que a grande mídia concede aos seus formadores de opinião, tais como Reinaldo Azevedo, Arnaldo Jabor, Merval Pereira, Pondé e tantos outros conservadores. Além disso, Carta Capital nunca teve esquema com Carlinhos Cachoeira.


3 comentários:

  1. Caro Kenny, presumo, pela sua linha de raciocínio, que causaria polêmica contigo apenas na questão 6:

    6-Direitos humanos...

    É. Se bem entendi, sou de direita nessa. Cadeira elétrica, para mim, faz todo sentido.

    Talvez pq eu tenha uma visão "engenheirística" de sistemas.

    Com calma, ainda podemos discutir isso com detalhes.

    No mais, eu sou Canhoto (gosto do termo, em lugar de "de esquerda", haha) sem dó.

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  2. Então, cara, num dia de muito bom humor e bem conversado, eu posso até não achar um absurdo pena de morte em casos muito específicos, partindo-se da perspectiva dramática que algumas pessoas adoram colocar nessa questão, na linha do "mas e se alguém assassinasse sua mãe?". Mas isso seria meu ponto de vista enquanto um filho que está sofrendo a dor. Analisando friamente e pensando enquanto política de
    Estado, não consigo encontrar um argumento a favor da pena de morte que não o "diminuiria a lotação dos presídios" rs. Estou curioso para conhecer sua visão engenheirística de sistemas.

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  3. Diria que a visão engenheirística é ainda mais fria.

    Assim, pode até ser entendida como desumana. E estamos tratando de humanos aqui.

    Necessitaria de um esquemático, diagrama de blocos, típico de minha formação.

    Agora, posso lhe adiantar que ela não parte do princípio de diminuir a lotação dos presídios. Acreditar nisso seria tolice.

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