sexta-feira, 7 de junho de 2013

Meu amigo virou à direita - II

Tô aqui quebrando a cabeça pra tentar entender porque a direita tá com essa paranoia de que todo mundo é de esquerda. Seria má fé ou eles vivem num universo paralelo? Eu apostaria na primeira opção. Me parece que os conservadores estão querendo ganhar adeptos na intimidação. “Olha, é o seguinte, vivemos tempos difíceis, a esquerda dominou geral. Quem discorda deles é massacrado. Precisamos reagir, lembrem que nosso ídolo Nelson Rodrigues dizia que toda unanimidade é burra. Se você ama seu país, vire à direita, precisamos combater o pensamento único que assola nossa pátria”. E tome aquele discurso que eu ouço há dez anos de que o PT vai instaurar uma ditadura no país, que o fascismo é logo ali, que em breve opositores do regime serão executados em praça pública. Essa semana, vendo um vídeo em que o Demétrio Magnoli discursa contra as cotas raciais, eu fiquei com a sensação de que dentro de 20 anos brancos e negros entrarão em guerra civil. Sim, ele sustenta que no Brasil não há racismo e que as cotas vão criá-lo.

O que ocorre é que o pessoal de esquerda tende a ser ativista, o que não ocorre com quem é de direita. Porque eles acham que manifestante é vagabundo, que defender suas idéias com veemência é armar barraco etc. Logo, se alguém diz “adoro piadas de preto”, os ativistas de esquerda caem matando mesmo. Por outro lado, se alguém diz “sou a favor da legalização do aborto”, os conservadores se contorcem por dentro, pensam “onde esse mundo vai parar? E os valores da família?”, mas, em regra, não partem para o confronto. Aí fica essa sensação de que todo mundo é de esquerda.

Precisa ter má fé (ou viver num mundo paralelo) para discordar de que vivemos numa sociedade machista, homofóbica e racista, para ficarmos apenas em três questões. Isto é, o pensamento conservador domina. Os “politicamente incorretos” (que, de incorretos, não têm nada, é a coisa mais fácil do mundo contar piada de negro num país racista) morrem de saudade dos tempos em que podiam destilar seus preconceitos à vontade e ninguém chiava, dos tempos em que as minorias se colocavam em seus lugares, que não tinham voz para protestar. Como atualmente muita gente se conscientizou de que não é muito engraçado fazer “piadas” com a desgraça alheia, os conservadores ficaram desesperados. E aí tome-lhe discurso terrorista, de que o politicamente correto é uma ditadura, que é fascismo e blá-blá-blá. Eu fico pensando: quando um "politicamente incorreto" descolado fala uma merda, é liberdade de expressão. Quando um "politicamente correto" chato faz críticas a ele, é ditadura. Curioso. 

Sabe por que é difícil achar quem se assuma de direita? Porque as bandeiras que eles defendem não são defensáveis. Não entre pessoas com um mínimo de bom senso. Aí, para defender o indefensável, eles se saem com as teses mais estapafúrdias: chamar um negro de macaco é liberdade de expressão e proibi-lo é voltar à ditadura; não existe racismo no Brasil; na ditadura não tinha corrupção, a ditadura foi um mal necessário diante da ameaça comunista, no Brasil tivemos uma ditabranda etc. E, somado a isso, o terrorismo: o país não cresce, a inflação vai voltar, a liberdade de expressão acabou etc.

Seria mais produtivo se muitos direitistas (não todos) dissessem o que vai no íntimo de seus corações: eu quero ter o direito de dizer que gays são promíscuos por natureza, que a AIDS é a punição por eles não seguirem os ditames do livro sagrado, não porque eu sou um defensor da liberdade de expressão, e sim porque eu os acho imorais; eu sou contra cotas nas universidades porque eu acho que cada um tem que saber seu lugar na sociedade, porque não é justo eu ter pagado escola particular a vida inteira pro meu filhinho e vir agora alguém roubar a vaga dele, não é porque não exista racismo no Brasil. Em suma: sou contra todas as reivindicações de todas as minorias porque eu quero que a sociedade continue do jeito que está (ou nem isso, já que eles acham que o mundo tá perdido). O mais irritante no pessoal de direita é que eles não se assumem. Querem sempre florear suas ideias, usam termos difíceis, raciocínios rebuscados (vide o Pondé, ídolo do meu amigo. Se você não tiver consciência de que ele é um conservador, você engole sem pensar tudo o que ele diz. O cara cita Aristóteles, Platão, Rousseau... Você pensa: esse cara é muito mais culto que eu, ele sabe do que tá falando, logo, deve estar certo em tudo o que diz) para tentar esconder que são conservadores. 

Por isso digo ao meu amigo: se você quer ser de direita, problema seu (rs). Mas, por favor, não venha me dizer que está adotando essa filosofia de vida só para ser rebelde, já que todo mundo no Brasil é de esquerda. Rebeldia continua sendo a marca de nós, vermelhinhos. Não à toa, somos chamados de ingênuos. “Quando eu tinha sua idade também queria mudar o mundo. Mas amadureci e vi a vida como ela é”. O triste da história é que o meu amigo pensa que está sendo rebelde, quando, na verdade, está seguindo o curso natural da vida. De esquerda na juventude, conservador na maturidade. Se eu fosse religioso, rezaria para nunca amadurecer.

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