quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Cultura das sociedades de massa, culto às celebridades e até a luta antimanicomial.

     O texto abaixo é específico, fala sobre a luta antimanicomial, foi escrito por psicólogos. Talvez não desperte o interesse de quem não é da área. Eu recomendo a leitura, porque, além do texto ser belíssimo e abordar outros temas (como o culto às celebridades e a cultura das sociedades de massa) além do sugerido pelo título, não podemos ficar bitolados apenas em nossa profissão/atividade/trabalho, por mais apaixonados que sejamos por eles. Como ouvi certa vez: "quem só entende de Direito não entende de Direito". Percebam que é justamente esse o diferencial deste texto: certamente se ele ficasse preso aos técnicismos da Psicologia e/ou não espraiasse a questão por outros ramos da sociedade, eu não o estaria publicando aqui.


A Urgência da Luta Antimanicomial

"Todos estão loucos, neste mundo? Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total."

[João Guimarães Rosa, excerto de Grande Sertão: Veredas (1956)]

Em meados dos anos 70 surgiu, juntamente com a Reforma Sanitária Brasileira, a luta antimanicomial. Trata-se de um movimento que busca o fim das instituições psiquiátricas e a reintegração social dos portadores de transtornos mentais através de ferramentas como oficinas terapêuticas, CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), etc.

Por tratar-se de um grupo demasiadamente excluído, pouco se fala sobre o assunto na mídia tradicional; o debate, quando acontece, limita-se ao meio acadêmico. Por isso decidimos levar o tema mais adiante e faremos aqui uma breve exposição de pontos de vista para fomentar discussões.

Vivemos numa sociedade onde todos buscam padrões. As pessoas querem ser fisicamente parecidas (vide o crescimento nas estatísticas de cirurgias plásticas e clínicas estéticas), querem ter determinado padrão econômico, querem possuir determinados acessórios para serem inseridas dentro de um grupo.

O exterior do homem é cada vez mais valorizado, em detrimento do interior. Paradoxalmente a essa "massificação" do ser humano, assistimos ao crescimento da individualidade. Algumas gerações atrás, os irmãos dividiam quartos, os filhos só saíam da casa dos pais para casar e formar outra família, um carro para a casa toda era suficiente. Hoje os jovens querem um carro assim que tiram a CNH, se dividem um quarto é por falta de opção, e os casais mais abastados constroem dois banheiros no quarto de casal: um para a mulher, outro para o homem.

Paralelamente a tudo isso, podemos dizer que estamos olhando para o próximo como nunca antes na história da humanidade. A indústria da fofoca fatura vendendo notícias referentes à intimidade de pessoas famosas; pessoas, que, muitas vezes, não fazem nada além de serem famosas. O interesse pela vida particular do outro é tão grande, que chegamos ao ponto de confinarmos pessoas dentro de uma casa com câmeras e assisti-las fazendo nada o dia todo.

Como se explica, então, que apesar de querermos ser tão parecidos, ao mesmo tempo, buscamos cada vez mais a individualidade?

A nosso ver, essa questão não é tão paradoxal quanto parece. Estamos, sim, cada vez mais olhando para o outro. Porém, está longe de ser um olhar altruísta: é um olhar egocêntrico, de julgamento, por vezes invejoso. Temos um padrão de "vida correta" a ser seguido, e quando alguém foge disto, é castigado.

As celebridades (instantâneas ou não) são, na verdade, ferramentas para a manutenção deste ideal. A mídia vende a imagem de "pessoas perfeitas" para que queiramos ser como elas. Então pega essas mesmas pessoas e as distribui em comerciais de xampu, cartão de crédito, detergente, etc., como se a compra daqueles produtos nos fizesse perfeitos também.

Eis aí a mentira que sustenta o capitalismo: a transformação do homem em mercadoria. A partir do momento que deixamos nossa humanidade de lado, temos que nos submeter a uma padronização. Tal qual garrafas de refrigerante na linha de produção, aquele que apresenta alguma particularidade que os difere dos demais é expulso.

Sendo assim, não "cabe" na sociedade capitalista o marginal, o pobre, o doente, o deficiente. Então são criadas instituições: a prisão, o manicômio, o asilo, não com o intuito de "curar" a sociedade, e sim, partindo de um pressuposto higienista, de "limpar", tirar de vista aquilo que incomoda, excluindo as pessoas como as garrafas de refrigerante que saíram da linha de produção com o rótulo de ponta cabeça ou com menos de 2 litros.

Quando olhamos para a celebridade da revista, estamos olhando para um ideal impossível, e quando esta é fotografada em público sem a roupa íntima, ou quando ela termina um namoro, estamos na verdade dando vazão ao nosso sadismo, satisfazendo nossas vontades de que elas sejam tão imperfeitas quanto nós. Sendo assim, não estamos olhando de fato para ela tal como ela é, e sim para nós mesmos.

Quando um ex-interno é rejeitado numa entrevista de emprego, por exemplo, está sofrendo os efeitos de uma organização social egocêntrica, decadente, e, acima de tudo, doente.

Daí a importância da luta antimanicomial: não é simplesmente um movimento no sentido de fechar os manicômios e/ou denunciar maus tratos que muitas vezes são cometidos neles. É uma luta de inclusão, de "humanização do homem", tal qual o movimento negro, GLBT, feminista, etc.

É uma denúncia, mais do que necessária, a um sistema social falido, que vitima milhares de pessoas que saem de alguma instituição em busca de reintegração. E, principalmente, nos vitima também, pois este que se sente excluído vai buscar aternativas para se incluir: se não for por bem, vai ser por mal.

Pensemos então em quem somos e o que esperamos do futuro da nossa sociedade. Afinal, somos obrigatoriamente seres agregáveis e devemos nos organizar de uma forma mais estável e harmoniosa do que acontece hoje.

Tratando-se especificamente da reinserção social do portador de transtorno mental, defendemos que estas pessoas tenham a chance de se desinstitucionalizar (lembrando que ainda nos dias atuais existem pessoas que passam mais de 60% da vida dentro de um hospital psiquiátrico e morrem dentro dele).

Com o passar do tempo, muitos dos movimentos de inclusão social existentes ganham força, pois cada vez mais, através de teóricos e literários, o homem consegue ampliar sua visão na recuperação dessas pessoas que sempre tiveram as necessidades fundamentais para seu desenvolvimento negadas, como: alimentação, segurança, acolhimento, saúde, trabalho, etc. A luta antimanicomial vem ao encontro de mudanças que estão se tornando concretas, mais objetivamente, agora no início do século XXI.

Temos muito a melhorar e o cidadão consciente tem, por obrigação, travar discussões, aliando-se aos movimentos sociais, para auxiliar e cobrar do poder público políticas efetivas referentes a esse tema e muitas outras que visem discutir essa tal sociedade em que esperamos poder viver um dia.



Lauren Archilla e Lucio Costa são estudantes de Psicologia da Universidade Paulista e desenvolvem um projeto de Oficina de Jogos Teatrais junto às internas do Mental Medicina Especializada.

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