quarta-feira, 8 de junho de 2011

Agatha Christie - Uma Dose Mortal


(ATENÇÃO: O TEXTO QUE SEGUE CONTÉM SPOILER. SE VOCÊ PRETENDE LER ESTE LIVRO, PARE POR AQUI!)

Ontem terminei de ler “Uma Dose Mortal”, da Agatha Christie. Não gostei.

Duas coisas me desagradaram: o ritmo (muito veloz!) e a suspeita de que os crimes cometidos possuíam motivações políticas.

O que sempre me agradou na Agatha era o ambiente que ela conseguia criar em torno de uma história. É impressionante como ela consegue escrever 200 páginas falando, por exemplo, sobre seis pessoas reunidas numa casa num fim de semana. É o popular “tirar leite de pedra”. Ela transmite muito bem o clima de tensão que paira sobre indivíduos agrupados num espaço curto por pouco tempo. Em suma: a Agatha é perita em mergulhar fundo na alma de seus personagens, e devo a ela meu interesse por psicologia.

É justamente o que falta neste livro. O primeiro crime acontece muito cedo (pág. 19), nem dá tempo do leitor se ambientar. E os personagens da trama são rasos, mesmo porque durante toda a história a maior suspeita é de os assassinatos tenham cunho político, o que torna desnecessário ir a fundo à alma das pessoas envolvidas.

São famosos os romances policiais que falam de espionagem e crimes políticos (a própria Agatha escreveu alguns; não li nenhum). Não são minha praia.

A história é uma correria só; os acontecimentos vão se sucedendo vertiginosamente. Não dá tempo de parar e refletir sobre os crimes, porque a cada página surgem novidades (este parágrafo poderia se aplicar a “O Código da Vinci”, como elogio; porém, em se tratando da Agatha, é uma crítica negativa).

O final redime a história e me fez considerar o livro bom (numa escala de regular, bom, ótimo e excelente). Não conheço um livro ruim da Agatha; a maior crítica que posso fazer a um livro seu é “está abaixo do padrão Agatha Christie”. Este está.

Como disse, o final é muito bom. Surpreendente e mirabolante, como de praxe. Mas o que me levou mesmo a escrever este post é a questão filosófica levantada por dois personagens. Transcrevo um trecho do último diálogo do livro:

“- Mas o senhor não parece satisfeito por ter encontrado a solução do caso.

(Poirot) – Na verdade não estou.

- Matei 3 pessoas, portanto, serei condenado à prisão perpétua. No entanto, o senhor já ouviu minha defesa.

- E qual é sua defesa?

- Acredito ser necessário para a paz e o bem-estar da Inglaterra (quem profere tais palavras é o assassino, que é também algo como o presidente do Banco Central).

- Pode ser.

- O senhor não concorda?

- Concordo. O senhor representa os ideais nos quais eu acredito. O senhor é o equilíbrio,  a estabilidade e a segurança.

- Obrigado – agradeceu Blunt – E daí?

- O senhor sugere que eu esqueça tudo?

- Sim.

- E sua esposa?

- Posso dar um jeito. Engano de identidade ou coisa parecida.
 
- E se eu recusar?
- Serei preso. Estou nas suas mãos, Poirot. Tudo depende de você, mas ouça bem: não se trata de um problema de autopreservação, trata-se da necessidade que o país tem de mim. Sabe por quê? Porque sou honesto, tenho bom senso e não acredito em medidas radicais.

Poirot concordou. Sabia que Blunt dizia a verdade.

- Este é um lado da questão – disse Poirot – O senhor é o homem certo no lugar certo; possui inteligência, experiência e equilíbrio. Infelizmente, existe o outro lado: três pessoas foram assassinadas.

- Pense nela, Poirot: Mabelle, uma mulher com os miolos de uma galinha; Amberiotis, um chantagista...

- E Morley?

- Já disse que senti muito o que tive de fazer com ele. Mas, afinal, o mundo está cheio de dentistas.

- Tem razão. E Franck Carter, o senhor o deixaria apodrecer na prisão, o resto da vida, sem sentir remorsos?

- Não vou perder tempo com aquele imbecil.

- Mas é um ser humano, Sr. Blunt.

- Todos nós somos.

- É verdade, mas foi a única particularidade que o senhor esqueceu. O senhor disse que Mabelle era uma tola; Amberiotis, um vigarista; Franck, um imbecil e Morley apenas outro dentista. Neste ponto discordamos, Sr. Blunt. Para mim, a vida dessas quatro pessoas é tão importante quanto a sua.

- Engana-se.

- Não, estou com a razão. O senhor é um homem honesto e bem intencionado, mas cometeu um engano que exteriormente pode não ter afetado sua vida pública, mas que interiormente agiu como um incentivo para aumentar sua sede de poder. Por isso sacrificou quatro vidas sem se sentir culpado.

- O senhor não percebe que a segurança do país está em jogo?

- Não me interessa o país, e sim os indivíduos que têm direito à vida e não podem ser usados como fantoches.

Poirot levantou-se.

- Então esta é a sua resposta?

- Sim – respondeu Poirot, cansado.

Abriu a porta e mandou dois policiais entrarem.

Coincidência eu ler isso bem no dia em que o Palocci pediu demissão. Com ele sempre tive a impressão que se passava algo do gênero: até a oposição preferia não incomodá-lo (nos tempos em que era ministro do Lula) porque o julgava importante para a prosperidade econômica do país.

Ainda bem que Hercule Poirot não concorda com Maquiavel...

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