sexta-feira, 27 de maio de 2011

Eu e a religião - parte I


Hoje estou aqui para falar de um assunto bem polêmico: religião.

De início já deixo minha posição bem clara, pois este não é um texto imparcial (como se existisse!): não acredito em vida após a morte, não acredito em criacionismo. Sobre a existência de uma força superior (ou Deus) tenho minhas dúvidas, daí eu não me considerar ateu, pois ateu é aquele que tem certeza de que Deus não existe.

Esclareço também que não pretendo convencer ninguém (ao contrário do que fazem comigo), não quero converter os que me cercam à descrença. Tampouco quero ofender os religiosos, não entendam assim as ironias que permeiam o texto, é meu estilo.

Volto à minha infância e lembro-me da minha mãe me obrigando a ir à catequese (o nome por si só já não me agrada, me faz pensar nos índios sendo catequizados pelos europeus). Eu nunca funcionei muito bem com obrigações, o que já dava um indício do que estaria por vir. Aquela hora que eu passava trancado numa sala de aula com outras crianças, orientado por uma professora desorientada, não faziam o menor sentido para mim. Ela falava de coisas vagas e distantes e não tinha domínio do assunto; ficava claro, até para uma criança, que ela estava repetindo conceitos de um livro que sequer entendia, e sem parar para refletir sobre eles.

Para mim a gota d´água foi quando, após uma “aula” sobre o amor ao próximo, eu me desentendi com uma menina da minha sala. A menina quis bater em mim (essas crianças!) e eu, ao tentar me defender, empurrei-a. Ela caiu e sangrou. Aquilo me fez ter a certeza de que o tempo que passáramos copiando o texto do quadro negro e repetindo salmos e orações não servira absolutamente para nada. Então dei fim no meu caderno de catequese e disse para minha mãe que por isso seria impossível continuar freqüentando as “aulas” (havia a exigência de que os alunos tivessem um caderno e que estes estivessem completos. Quem não seguisse esta regra não poderia assistir às aulas).

Mas minha mãe não se deu por vencida. Continuava me obrigando a ir à missa. Lembro como se fosse hoje do meu desespero nessas ocasiões. Durante as missas eu sentia frio, fome, sono, era impressionante como meu corpo externava minha contrariedade. A única parte da missa em que eu repetia o que dizia o roteiro (sempre achei essa prática sem sentido, alguém lá na frente dizendo frases pré-estabelecidas e a platéia respondendo com outras) com enorme satisfação era quando o padre dizia que a missa acabara e tínhamos de responder “graças a Deus”.

Mesmo sendo uma criança (eu devia ter uns 9 anos), durante as missas eu já percebia certos comportamentos das pessoas que me desagradavam. Em primeiro lugar, a igreja era o lugar para as pessoas mostrarem as roupas que tinham (coisa de cidade pequena, opções de lazer são raras, então quem comprou uma roupa nova tem de exibi-la na missa). Coitado daquele que fosse mal vestido para a missa! Era apontado sem o menor pudor. Outra coisa que me incomodava era a fofoca. Não eram raros os comentários do gênero “olha ali o fulano, trai a mulher e domingo tá aqui com a família toda, querendo se passar por santo”; “a beltrana teria que assistir a umas 10 missas por dia para pagar todos os seus pecados” e assim por diante. Minutos depois, chegava aquela parte da ‘paz de Cristo’, e então eram apertos de mãos e abraços como se todos se amassem, uma hipocrisia bonita de se ver.

Já deu para perceber que eu não nutria grande simpatia pela igreja católica e por suas práticas (mas que fique claro: meu “problema” é com toda e qualquer religião). Mas pioraria. Em breve eu tomaria gosto pela leitura. Aos 8 anos li uma série de livros infantis que falava sobre a ciência, o universo etc. Aos 10 li um livro da série vaga-lume (ô saudade) para minha irmã poder fazer um trabalho da escola. Aos 11 descobri Monteiro Lobato. E aos 12 eu já lia Agatha Christie.

Com a leitura vieram o senso crítico e a capacidade de pensar por mim mesmo. Quanto mais eu crescia e lia, mais furos encontrava no que os religiosos à minha volta me diziam. Começava ali um caminho sem volta (embora 11 entre 10 religiosos me digam que um dia terei meu momento de revelação e deixarei Jesus entrar em meu coração), que certamente conduzirá minha alma ao inferno, não importam quais sejam minhas atitudes em vida, afinal “o maior pecado é não crer”, “de nada valem boas obras sem fé”.

Após esta introdução, divido com vocês algumas reflexões que me acompanham desde que me dou por gente (sorte que hoje em dia não podem me atirar à fogueira!):

P.S de 24 de julho de 2014:

É incrível como as coisas mudam. Hoje eu releio alguns desses textos em que eu falo da minha experiência com as religiões e repenso muito. Acho umas passagens bobinhas, outras agressivas. Até passa pela cabeça apagar. Mas, refletindo melhor, vejo que é bom deixar assim. Esses textos foram muito importantes no meu processo de "sair do armário". Não foi fácil me aceitar como ateu, durante muito tempo senti uma culpa monstruosa. Você cresce ouvindo que deus te ama, faz tudo por você, e você ainda tem coragem de duvidar dele? Me perdoem se esses textos em algum momento soam agressivos. Nessa época eu vivia cercado por pessoas muito religiosas que, sem perceber, me oprimiam. Tais textos, portanto, foram meu grito de rebeldia, de libertação. 

Felizmente isso passou. Hoje sou ateu sem culpa, numa boa. 

Aproveito para esclarecer alguns pontos:

1-Eu não acho que as pessoas religiosas são burras. Já conheci/conheço muita gente com quem fico um tempão falando de religião, pois essas pessoas me fascinam com seu conhecimento e inteligência. Existe, sim, uma tendência das pessoas saírem repetindo por aí tudo aquilo que aprenderam desde criança, coisas que os pais e o padre/pastor falaram, sem refletir muito a respeito. Isso não é fé, é crendice. Mas também existem as pessoas que leram muito, pesquisaram pra caramba e têm sua fé por opção, porque lhes faz bem. Nesses casos, a fé é libertadora. Toda a minha admiração por essas pessoas.

2-Acho que a ciência pode e deve ser questionada. Moralmente falando. A ciência não é algo intocável, acima do bem e do mal. Tal qual a religião, pode ser usada para fins nobres ou não. Exemplificando: se a ciência descobre que é possível a clonagem humana, não é por isso que vamos começar a clonar o ser humano. Tal medida teria muitas implicações morais, que precisam ser debatidas.

3-Que o ceticismo não embote nossa imaginação. Que consigamos cogitar a existência de coisas das quais não temos provas sobre a existência. Por uma visão menos positivista das ciências.

4-Às vezes me parece sem sentido a oposição religião x ciência. Elas trabalham em campos diferentes. Para muitas pessoas, a religião é o único antídoto contra a angústia da existência, para a certeza da morte. Imaginem a cena: um velório, as pessoas chorando em volta do caixão, chega alguém e diz: "não fiquem assim, na natureza nada se cria e nada se perde, tudo se transforma. Este corpo é um amontoado de células que não mais se reproduzirão". Apesar de verdade, seria de uma insensibilidade tamanha. 












2 comentários:

  1. Li seu blog em uma pegada só! Um prazer ler você! sempre! Beijo Nego

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  2. Certa vez, indo missa, vi a imagem de Jesus crucificado à frente e, ao fundo, uma imagem de um senhor todo sujo, mostrando uma ferida na perna e com um cãozinho ao lado. Logo, perguntei ao meu pai:

    "Se Jesus é Deus, aquele ali no fundo é o Diabo?"

    Até quem é muito fiel caiu aos risos com meu ingênuo comentário.

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