segunda-feira, 30 de maio de 2011

Os crimes do olho-de-boi


Terminei há pouco a leitura de “Os crimes do olho-de-boi”, do Marcos Rey. Muito legal!

Para quem não conhece, Marcos Rey é autor de inúmeros romances policiais infanto-juvenis, como “Um cadáver ouve rádio”, “Doze horas de terror”, “O diabo no porta-malas” etc, todos publicados pela editora Ática na saudosa série vaga-lume. E este livro que agora resenho é do mesmo estilo, com a diferença de ter sido escrito para adultos.

Sendo escrito para adultos, não há papas na língua. O diferencial deste ‘Os crimes do olho-de-boi’ é o humor e o politicamente incorreto que permeiam toda a trama, além de inúmeros palavrões correntes entre os personagens. Os diálogos são divertidíssimos, tanto que destacarei alguns trechos em seguida.

O protagonista é Adão Flores, um detetive particular nada convencional. Gorducho e bonachão, mora com sua governanta, Renata, uma alemã solteirona que nutre uma paixonite secreta por ele. Todavia, a relação deles é somente profissional, já que Adão (embora não admita) é apaixonado por Diana Bandida, uma mulata que trabalha em casas noturnas, com quem tem uma noite de amor por ano, no dia 23 de dezembro mais precisamente (por opção dela, logo fica claro). Nos outros 364 dias mantém uma relação de amigos. Outro personagem importante é Lauro, jornalista que cobre casos policiais. Completa o time Bianca, dona de uma boate. Os cinco, juntos, tentarão resolver um caso intrigante.

No último ano, cinco milionários foram assassinados. Todos possuíam um único herdeiro, um (a) sobrinho (a). Os casos não possuem ligação aparente, mas logo surge a suspeita de que existe uma quadrilha especialista em apagar ricaços. Adão Flores resolve investigar, e aí a trama vai se desenvolvendo ao estilo Marcos Rey.

Passo agora a destacar os trechos que mencionei, com algumas observações minhas logo abaixo:

Esta conversa se passa no início, quando Adão, Lauro e Bianca estão conversando sobre o assassinato nº 5, aquele que lhes chamou a atenção para o caso:

- Mande, mas não acredito muito em criminosos geniais. Nesta série de crimes, por exemplo, com toda a certeza as vítimas e os suspeitos nem se conheciam. São casos isolados.

- O Sherlock Holmes é você, Adão.

- Não me compare àquele magrela, cheirador de pó, com vida sexual extremamente suspeita – disse Adão Flores – Vou dar uma olhadela nas reportagens, depois lhe digo qualquer coisa (pág. 08).

Aqui temos algo mais comum do que se poderia pensar: uma menção nada honrosa a Sherlock Holmes. A própria Agatha Christie já recorreu a este expediente, numa fala de Hercule Poirot. Recebeu inúmeras cartas de fãs de Conan Doyle exigindo retratação, pois não admitiam que Holmes fosse insultado. Agatha explicou que não era ela quem pensava as coisas que Poirot havia dito, e sim o próprio Poirot. Não adiantou.

Sherlock Holmes é o maior detetive da ficção de todos os tempos, e quem está dizendo isso é um aficionado pela obra da Agatha Christie e igualmente fã de Hercule Poirot. Mas não dá para comparar, até porque Holmes é mais antigo e muitas características de Poirot são claramente inspiradas no detetive de Conan Doyle.

Dessa forma, o detetive referência para a grande maioria é Sherlock, e este recurso usado por Marcos Rey, o de ‘malhar’ Holmes, é bem comum. Me parece que é uma forma de mostrar que o detetive que está proferindo tais palavras (neste caso, Adão Flores) é original. Se o modelo é Sherlock Holmes, afaste-se do modelo. Foi o que fez Marcos Rey neste livro.

Adão Flores bebe como um gambá (enquanto Holmes usava ópio e cocaína), é gordo (Sherlock alto) e existem diversas referências à sua vida sexual com uma personagem da própria história (Diana Bandida). Já Holmes tinha uma grande desconfiança em relação às mulheres (exceção feita à Irene Adler, a quem se referia como ‘A mulher’) e há aqueles que insistem em dizer que a relação de Sherlock e Watson era mais que de amizade (mesmo Watson sendo casado e Sherlock o tratando mal várias vezes).

A propósito, Marcos Rey é grande fã de Sherlock Holmes. Todo o livro é permeado por referências à obra de Conan Doyle. Nunca me esquecerei de um prefácio que Marcos Rey escreveu para “O Cão dos Baskerville”. É impossível não ler esta obra após ler o que Rey escreveu sobre, o que torna claro que todas as menções a Holmes, ainda que não elogiosas, são uma homenagem. Próximo diálogo:

- Gostei do seu ‘mas’ – louvou Adão – porém acho que, para um ex-plebeu como James, lua-de-mel em Roma é muita coisa. Por que não Guarujá ou Búzios?

- Há mulheres que se impressionam com distâncias internacionais. Amor muitas vezes tem a ver com quilometragem. (pág. 13)

Uma análise nada romântica sobre o amor. E machista.

São Paulo nos feriadões parece o day after de uma guerra atômica. Milhões a abandonam rumo às praias, montanhas e campos. Tudo que possui rodas corre pelas estradas, inclusive bicicletas, velocípedes e carros de rolimãs. São fugitivos, não viajantes, envolvidos numa corrida mortal. (pág. 15).

Uma das marcas de Marcos Rey é o retrato que faz de São Paulo e de seus habitantes, com o arguto olhar de cronista, cidade pela qual é apaixonado. Todos os seus livros se passam nesta metrópole. Embora apaixonado, não a poupa das críticas, como vemos por este trecho.

- Você é sempre o mesmo gordo amoral. Na sua idade já devia ter sossegado. Nunca se casou, Adão?

- Cheguei perto. Uma vez gostei tanto de uma taquigrafa que lhe comprei um casaco de peles. Mas não deu. Ela era lambdacista.

- O que é isso? Religião?

- Pessoa que repete muito o L ou o troca pelo R. Lambdacismo. Está no Aurélio.

- Não tinha cura?

- Chegou a superar isso, mas passou a trocar o R pelo L. (pág. 165/166)

A justificativa mais irônica que já ouvi para um cara nunca ter se casado.

Em seguida, uma das melhores passagens do livro. Adão e Diana estão no quarto dela. Diana reclama do calor:

- Você se magoaria se eu tirasse a roupa?

- Acho que não. Pode tirar. Não reparo, embora moralista.

Diana ergueu-se e sem trilha sonora de strip-tease ficou de calcinhas e sutiã.

- Acha que ainda estou em forma, Flores?

Saiu fumaça dos ouvidos e Narinas de Adão (hahaha), mas ela não percebeu. O visitante, embora sufocado, pôde pronunciar algumas palavras.

- Ainda está com muito pano, não dá para emitir uma opinião honesta.

Ela tirou o sutiã e jogou para o ar com a graça que dava a todos os seus movimentos.

- Já dá?

- Melhorou, mas este obstáculo industrial no baixo ventre dificulta meu julgamento.

Concordando, Diana se desfez agilmente da peça derradeira do vestuário e retomou o copo para um gole mais longo.

- Pena que não é 23 de dezembro – ela disse, sincera.

- Hoje é 23 de dezembro – corrigiu o reformulador de calendários Adão Flores, levantando-se e começando a tirar impetuosamente a roupa.

Diana deve ter pensado em resistir, mas um touro ainda em cuecas (hahaha) avançou sobre ela e a derrubou na cama. Animalesco. (pág. 164)

Último diálogo que transcrevo. Adão, Renata e Lauro estão conversando sobre um acontecimento que prejudicou a quadrilha de criminosos:

- À esta altura devem estar preocupados com James Brady Donaldson.

- E com muito ódio de Adão Flores – lembrou a fräulein – Tenha cuidado, patrão.

- Como é possível ter cuidado com inimigos invisíveis? Devo pôr tudo nas mãos de Deus.

- Mas você não acredita em Deus.

- Isso que complica tudo, Renata. (pág. 145).

Muito irônico esse Adão Flores! Me fez lembrar de quantas expressões religiosas existem e que a gente cresce ouvindo, a ponto de repeti-las sem ser religioso. Pretendo procurar informações sobre o tema na área da Lingüística.

2 comentários:

  1. afinal vc sabe caracterizar Adao Flores x Sherlock Holmes & Watson x Lauro de Freitas

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  2. Olá isso me ajudou muito eu tive prova dobre esse livro e com esse resuno estou bem mais prepara pra prova o livro era grande demais pra ler em 4 horas muito ong pelo resumo

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