segunda-feira, 16 de maio de 2011

Transcrição

    "Nunca antes tivemos tanta liberdade, informação e consumo, em termos gerais. Mas o que temos feito disso? A liberdade se confunde facilmente com o egoísmo, com a exaltação publicitária do “eu faço o que quiser” e o medo de assumir compromissos. A informação não produz cidadãos mais conscientes e debates melhores, pois poucos se interessam por ideias gerais e pelo que aconteceu antes de nascerem. O consumo se torna patologia, em que sempre se olha para o que não se tem, ou seja, para o que o outro tem, mesmo que não haja a menor necessidade de ter aquilo. Com tanta valorização do dinheiro e da aparência, fica mais difícil encontrar amizade e amor verdadeiros, que dependem da confiança no outro em momentos difíceis; e se deterioram rapidamente a arte da conversa e o gosto pela leitura, sem os quais é difícil vencer a imaturidade. Em uma frase, o humanismo tem sido atropelado por nossa vida acelerada.

       (...)

      Como disse o escritor Pedro Bandeira, o brasileiro dá mais valor a um tênis do que a um livro. Afinal, está disposto a pagar R$ 300 pelo primeiro, mas diz que R$ 40 pelo segundo é caro – assim como diz que não tem tempo para ler, mas passa horas e horas diante da TV ou nas redes virtuais. A capacidade de concentração está em declínio; muitas coisas são feitas ao mesmo tempo, nenhuma com a devida consistência. Exibir vale mais que saber.

       Outra consequência desse mundo cada vez mais frívolo se mostra em ambientes de trabalho de todos os tipos. De olho nas promoções e nos bônus, passar o colega para trás começou a ser atitude elogiável, assim como trabalhar mais horas, mesmo que em prejuízo da vida familiar e do ócio. Funcionários dão aos clientes a desculpa de que “o sistema não permite”, incapazes de contestar essas ordens para não ser acusados de não ter “inteligência emocional”. Nas ruas das grandes cidades, a gentileza vai sarjeta abaixo; SUVs fazem uma luta darwinista pela sobrevivência do mais caro. Mulheres optam pelo papel de bonequinhas de ricaços, e há mais e mais estilistas para vesti-las e cirurgiões para repuxá-las. Jovens vivem com os pais até quase os 40 anos, enfileirando cursos e bicos para adiar a responsabilidade de uma carreira decente e continuando a se vestir do mesmo jeito. Crianças dizem que seu sonho é serem famosas, não importa em quê ou como.

       (Daniel Piza, em sua coluna semanal no Estadão, "Sinopse").

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