sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Gênio do Crime (ou divagações literárias).


                Esses dias terminei de ler “O Gênio do Crime”, do João Carlos Marinho, um autor que ficou famoso por seus livros infanto-juvenis. Li quase toda a obra dele até meus 15 anos, e lembro com saudade daquelas tramas que tantas tardes da minha vida preencheram (o mesmo podendo-se dizer de Marcos Rey, Marçal Aquino, Pedro Bandeira e Luiz Galdino, para ficar na seara “livros da minha adolescência”).

                Encontrei este livro numa biblioteca municipal, por acaso. Comecei a lê-lo com certo receio de que eu o achasse chato, afinal não sou mais adolescente (capaz!). Já aconteceu com outros livros, filmes e seriados que um dia eu gostei (Power Rangers é o melhor exemplo que me ocorre). É nessas horas que me lembro do que diz Daniel Piza: o tempo é o melhor crítico. Seja de cinema, literatura ou qualquer outra arte. Se o best-seller de hoje continuar a ser lido daqui 30 anos, é porque realmente é bom. 

                Restava então descobrir se João Carlos Marinho era algo que só adolescentes curtem ou se era bom mesmo. Peguei o livro para folhear e quando vi já estava na página 50. Só parei porque estava na hora de pegar meu ônibus.

                Da história eu lembrava até com alguma riqueza de detalhes. O que me chamou a atenção nesta releitura, portanto, não foi o conteúdo, e sim a forma.

                Creio que a literatura é uma das poucas artes em que a forma é tão importante quanto o conteúdo. Lembro-me da monografia de um (a) amigo (a). Ele volta e meia comentava seu tema comigo, falava dos progressos da pesquisa. O seu entusiasmo, somado ao meu interesse pelo tema, me fez ficar ansioso para ler o trabalho quando estivesse acabado. E quando fui ler... que decepção. Não duvido que o conteúdo estivesse bom (é até o mais provável). Mas a forma... Não havia erros de gramática, mas sabe aquele texto que não flui, chato, uma escrita truncada? Pois então, a maneira com que ela escreveu o trabalho não cativou o leitor, e assim um belo conteúdo deixou de ser apreciado.

                O estilo do João C. M. lembra muito o do Mário Prata: conciso, coloquial, simples e bem-humorado. Muito bem-humorado. Eu parecia um louco na biblioteca, de tanto que eu gargalhava. E eu não gargalho com frequência.

                A linguagem é rica. Figuras de linguagem são constantes, como no trecho “São Paulo estava de cócoras”, pág. 01.

                Quero destacar também a questão da correção gramatical. O João C. M. não se preocupa muito com ela, o que leva os puristas da língua a dizer: “que absurdo, ele escreve para crianças, assim vamos formar uma geração de analfabetos”. Discordo, discordo e discordo (entendam-me bem: quando digo que este autor não se preocupa com a gramática, estou querendo dizer que ele não é seu escravo, que às vezes faltam umas vírgulas ou sobra coloquialidade. Não é que ele escreva SEBOLA rs).

                Este que vos escreve, advirto, cresceu lendo cronistas (a crônica, como sabemos, é o estilo de texto mais livre e que existe, o que, por óbvio, não faz dos cronistas os mais preocupados com a norma culta). E não falo do João da Esquina, me refiro a nomes do quilate de Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Fernando Sabino, Otto Lara Resende (lembram da coleção “Para Gostar de Ler”?), Mario Prata e tantos outros do mesmo porte.

                Também cresci lendo gibis do Chico Bento (leio até hoje), que dizia “ponhá” (por), “drumi” (dormir), “si alembru” (me lembro) etc. E isso não fez com que eu me transformasse num analfabeto funcional, muito pelo contrário.

                Toda essa divagação foi para dizer que escrever bem nunca foi sinônimo de escrever corretamente ou usar palavras difíceis. Quantos livros exemplares (do ponto de vista da correção gramatical) não abandonei no meio do caminho... Regência verbal perfeita, acentuação e pontuação irretocáveis e... uma chatice!

                Não estou dizendo que para um livro ser bom tem de atropelar todas as regras. Já dizia o Millôr: “se não tiver regras não tem como transgredir”. O que quero dizer é que uma gramática escorreita e erudição na escolha das palavras, por si só, não garantem um bom livro. Bons escritores não são os que usam palavras difíceis ou que invertem a ordem das frases, ainda que existam nomes como Guimarães Rosa, José Saramago (para os colegas juristas que nunca leram nada além de Direito, cito Paulo Bonavides e Celso Antônio Bandeira de Melo).

                Outra coisa que muito me agradou foi que o autor não subestima a inteligência do leitor. Mesmo sendo uma história para pré-adolescentes, João C. M. parte da premissa de que estes são inteligentes. É das coisas que mais me irrita escritor que fica explicando o que quis dizer (comum em alguns que escrevem para jovens. Devem pensar: são muito novos para entender isso, têm pouca bagagem de leitura e de vida).

                O Gênio do Crime é um ótimo livro, ainda que eu enxergue cinco erros gramaticais numa só página, por exemplo. O bom humor, a linguagem figurada e rica, a ironia e a trama envolvente tornam tão menor a falta de algumas vírgulas...

                Enfim, é uma leitura que recomendo, seja qual for a sua idade. Porém, se você acha que não tem mais idade para essas coisas (e que adulto não pode ver desenho), indique para o jovem mais próximo de você.

                P.S - Quem me conhece certamente está surpreso com tudo que foi dito, pois sempre carreguei o estigma do chato que escreve tudo certinho e/ou fala difícil para se mostrar. Entendam, meus caros: a gramática deve estar sempre a serviço da comunicação. Toda vez que a falta da vírgula ou da crase, por exemplo, me impedir de entender uma frase, vou reclamar. Mas a gramática não pode se sobrepor às idéias, à criatividade, tampouco criar entraves ao seu desenvolvimento.

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